Questões de vida e de morte
Nilton Morselli
Roda na internet uma piada sobre uma suposta dinâmica na qual um grupo de candidatos
responde à seguinte pergunta: que frase gostaria de ouvir durante o próprio velório?
"Foi um grande executivo, que modernizou as empresas por onde passou", disse um.
O outro falou que ficaria satisfeito se ouvisse a sentença: "Ele foi um grande pai
de família e um administrador brilhante. Um terceiro, mais espirituoso, disse que
preferia ouvir alguém exclamando: Olha, ele está se mexendo!"
Tem gente que encara a própria morte com naturalidade e até é capaz de fazer
brincadeiras sobre o dia fatídico, do último suspiro, em que se bate as botas, em que se
parte dessa para melhor. Outros, fazendo o Sinal-da-Cruz, nem gostam de falar dela.
Tratam-na com receio, como se um simples comentário pudesse atraí-la ou antecipá-la.
Inúmeras crendices cercam a morte, encarada de forma diferente pelas muitas igrejas. É,
em última análise, uma questão de formação religiosa.
Muitos gozam o feriado de Finados fazendo um churrasquinho, em casa ou no clube, mas
milhares visitam os cemitérios, em reverência a seus mortos. O Dia de Finados foi feito
para isso. Outros vão até lá simplesmente para passear, ver as barraquinhas e comprar
uma melancia, como manda a tradição. Esses agem mais ou menos como aquelas pessoas que
não perdem um velório por nada deste ou daquele mundo, independentemente de quem seja o
ocupante do caixão.
Velórios são sempre muito contraditórios, um local onde a dissimulação atinge o seu
limite. Minutos depois de render condolências à viúva, o sujeito conta uma piada numa
rodinha. À exceção daqueles que preferem guardar, como última lembrança, a imagem da
pessoa viva, todos já foram a um velório e ficaram sem saber o que dizer diante de
familiares em prantos. É quase impossível não soltar aqueles lugares-comuns: "Ele
descansou", "pra morrer basta tá vivo" (o pior), "é melhor assim,
ele estava sofrendo", "morrer a única certeza da vida", "ninguém
fica pra semente".
Mico mesmo é quando a gente, em vez dos pêsames, dá parabéns. O parente faz que não
ouve, mas você, com o perdão do trocadilho, morre de vergonha. De repente, se pega
transformando esse constrangimento em motivo de risos.
Porque, invariavelmente, velório acaba em piada. Os amigos mais chegados, de sacanagem,
se divertem inventando epitáfios para o extinto: "Careca e desdentado cheguei,
careca e desdentado parti", "meus credores que rezem para existir
reencarnação", "vida eterna é bom, mas dura muito".
Há também os discursos, um costume em decadência, nos quais os atributos morais do
defunto, verdadeiros ou não, são exaltados perante a família. Antigamente, existiam
craques na arte da bajulação na hora tão dolorosa.
Teve um que, imaginando possuir o dom da ressurreição, batia na borda do caixão e
ordenava: "Levanta-te, Taquaritinga precisa de você. Repetiu a insanidade até
ser conduzido, à força, para fora da sala.
Algumas pessoas passam a vida inteira se preparando para a morte, imaginando como e quando
vão partir. Ainda assim devem se surpreender quando ela bate à porta. Acho melhor não
pensar nela. Mesmo porque, morrer é a última coisa que eu quero que me aconteça.
E-Mail: niltonmorselli@ig.com.br
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