
Nélio Ferreira Loures, 1964,
mineiro de Belo Horizonte, é consultor de informática. Publicou, por conta própria,
dois livros de poesias: de mãos dadas com você e tua vida, minha
vida. Gramatistória foi apresentado no programa Afinando a
Língua da TV Futura, em setembro de 2000. |
Gramatistória
Nélio Ferreira Loures
Em meio a uma crônica o Ponto Final e a Vírgula se conheceram. E em uma voz passiva e
analítica dialogaram. Perceberam que um era o complemento do outro.
Em letra maiúsculas fizeram do verbo "amar" um verbo de ligação entre eles. E
no presente, traçaram planos para o futuro. Concordaram em tudo gênero e número
e se fizeram "o Ponto e Vírgula".
Assim viveram... Se completaram por composição e derivação. Fizeram a vida tão sábia
quanto a poesia de Cora Coralina e tão doce quanto os romances de José de Alencar.
Promoveram diversos encontros consonantais, muitos dos quais não sofreram a divisão
silábica.
Viveram de realismo e ficção. Conjugaram o verbo "amar" em todos os tempos e
modos... Até que o Ponto começou a desconfiar que a Vírgula mantinha casos particulares
com algum sujeito indeterminado.
O Ponto de tudo fez para descobrir quem era este sujeito. Interrogou o Ponto de
Interrogação. Interrogou as Reticências, as Aspas, os Parênteses... Até orações
fez. Mas nada descobriu.
Já estava quase esquecendo o incidente quando a Partícula de Realce apareceu como
indicativo do sujeito. Era o Travessão.
Atordoado com a afirmação, o Ponto não conseguia entender como a Vírgula se apaixonara
com um sujeitinho simples como aquele. Chegou a dizer que a Vírgula fora a pontuação
mais singular que já conhecera e que aquele amor fora o substantivo mais abstrato que
passara por sua vida. Todo aquele pretérito mais que perfeito perdeu o sentido. Não
havia adjetivo explicativo o bastante para explicar tal traição.
Então, num tom imperativo, resolveu ir ter com o Travessão. Afinal, um ponto final
precisa encerrar a última palavra. Partiu, num grau comparativo de superioridade,
disposto a rasgar o verbo e abalar a estrutura das palavras.
Chegando diante do Travessão, fez dele objeto direto dos mais terríveis adjetivos,
prepostos quase sempre por complementos nominal e verbal de baixo calão. O Travessão
agüentou o quanto pôde, até que, como na regra geral, partiu para uma acentuação
diferencial. Rolaram-se trocando socos e pontapés.
Logo foram chegando elementos de todo lugar. Os Prefixos Latinos, os Radicais Gregos, o
Verbo que na ocasião se dirigia para seu emprego, os fonemas, as vogais...
Chegaram tantos curiosos que logo formaram uma enorme redação ao redor da briga. E do
meio dos curiosos, saiu o Hífen, que outrora separava os elementos compostos por
justaposição, fazendo-se de partícula apassivadora, separou o Ponto e o Travessão.
O Ponto, acalmando sua fúria, olhou para o Travessão. Estava tão quebrado que mais
parecia a letra "Z". Dirigiu seu olhar ao grupo que o circundava. Já estava
tão grande que formava um conto. Todos olhavam fixamente para ele e usavam palavras
denotativas de realce que faziam de seu ato uma hipérbole.
Tristonho e cabisbaixo, o Ponto sentiu-se minúsculo como se fosse o sinônimo do
primitivismo. Resolveu então, por um ponto final na sua vida de Ponto Final. Subiu o
ponto mais alto da escala gramatical e de lá se atirou para o seu infinitivo pessoal.
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