Caio Fernando Abreu
Mauro Castro
Recentemente, abriu uma pastelaria aqui ao lado do meu ponto. O proprietário, para saudar
a vizinhança, colocou uma faixa na frente do estabelecimento que diz o seguinte: Moro
no Menino Deus, do qual Porto Alegre é apenas o que há em volta. A frase é do
escritor Caio Fernando Abreu, antigo morador do bairro, que morreu de AIDS em meados da
década de noventa. Ele pegava táxi aqui no meu ponto quase que diariamente.
Como li alguns de seus livros, aproveitava as corridas para uma tietagem amiga. Ele
gostava. Era uma pessoa amável e alegre, apesar da doença que o consumia. Usava uma
bandana na cabeça, ao estilo Cazuza, para disfarçar a perda de cabelo. Era uma época
difícil para os portadores do vírus HIV. Debilitados, tinham pouco tempo de vida, em
geral às voltas com tratamentos penosos. O coquetel veio muito depois.
Lembro que um dia ele pegou meu táxi para uma de tantas corridas para o Hospital da PUC.
Informei-o que havia visto um outdoor com o anúncio de seu último livro. Curioso, ele me
pediu que o levasse até lá para dar uma olhada. Lembro que parei na Av. Silva Só em
frente ao enorme painel. Ele ficou observando por algum tempo sem sair do carro. Acho que
não gostou do que viu. Depois, sem comentários, pediu que o levasse para o hospital. Foi
a última vez que o vi. Dias mais tarde soube pela imprensa que havia morrido.
Acho que, se estivesse vivo, Caio Fernando Abreu gostaria de ver sua frase na fachada da
pastelaria. Era um cara do bem. Talvez, até sentasse em uma de suas mesas em um fim de
tarde qualquer e, entre um chope e outro, elaborasse mais um de seus contos fantásticos.
Contos que um dia fizeram um taxista sonhar em ser escritor como ele.
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