¡LOCO!
Lucio Valentim
"...Soltar um jegue no Aterro,
na hora do rush,
só prá variar..."
(Raul Seixas)
Consta que quando o ¡loco! foi solto nas ruas a cidade inteira
jamais fora a mesma. E fazia um sol dos diabos, enorme, a varar a
nuvem espessa que cismava tanto tentar encobri-los — ao sol e ao
¡loco! —, não respectivamente nesta ordem, porque para esta espécie
de homem tudo é vão e vem mesmo à esmo — à culhão , conforme dizia
—, e o sol não é nada bobo, sabedor dos segredos dos céus —
entendedor de nuvens que é.
Varrido, parecia cada vez mais que um estilhaço; doído, farrapo
mesmo, humano – o homem.
Diz que teve de tudo, e um triz nos desvãos da selva oscura o jogara
ali, para sempre. Sarjeta da pura; puta que vida; punheta de dia de
noite, são pedro são paulo são pedro são paulo, mas sem a tal da
culpa cristã, posto mesmo que era quase um zé de drummond; um mané:
sem mulher sem mulher, sem saúde – e logo agora.
Diz até que tivera: gostosa gostosa: serena, de pôr mellisas e
ulisses nos pés. Nas mãos. Sem dó. Mas foi justo ali que de fato
sentiu que perdera o de tudo, como se a primeira vez. Fraqueza mesmo
de macho. Doudeira, digo, doideira a dar com pau. Nem mesmo estreava
a manhã. Diziam, ¿quizás?, que 15 ou 20. Virgem, parece, de tudo
ainda. Menina. E foi nessa então que, quando olhou e viu a vulva,
digo, a uva e já era: a vida fez um zoom e tchau, levando em seu
caudal de nuvens milhares, centenas de ilusões .
Consta mesmo que foi coisa feita: santerias, algaravias, vodoos — e
o escambau. Leite com manga, talvez.
E que, por conta, já fizera um pouco de tudo: mendigo, coxo, cego,
palhaço. Diz até que (por conta) deu de malabares atrás de um
qualquer nos faróis, por aí.
Mas fazia agora era um sol dos diabos, e o ¡loco! parava e punha o
pau de fora na porta do adro, bem quando o cura ladrava benedicta tu
in mulieribus, para render – como de praxe sempre àquela hora do dia
– homenagens múltiplas também às suas, dizia, milhares de mulheres
que se foram, disseminando-se, literalmente, à porta do templo.
Para, logo na seqüência, adentrar e afinar-se ao coro dos contentes,
na louvação à virgem: dominus tecum! dominus tecum!, bradava
consternado. Doido mesmo.
Consta que, com freqüência, comungava e partia, a fumar um com
outros indigentes, por ladeiras e vielas – depois de embebido por
toda a cachaça angariada nas encruzas da cidade.
Diz que, de madrugada, reivindicava asilo em puteiros, onde nada
cobravam, apenas para que contasse estórias do seu tempo de menino
de marinheiro de bombeiro de michê de piloto de pirata. Mentisse,
mas que fizesse as tristes putas rirem à socapa na noite. Diz que
algumas, as mais despudoradas, por vezes até pagavam-lhe em
suculentos boquetes pelas horas impagáveis de desidério, ao cair da
manhã.
Como sempre, nada de café ou escovar os dentes. Pinto no lixo, comia
o que dessem, o que fosse. E saía, quase contente.
Morava sempre sabe-se lá para onde lhe batesse a veneta: becos,
vielas, prédios, brejos. Sempre praquelas bandas. Porque não havia
mesmo mais tempo para velhos sonhos, naquele tempo.
Consta que nada ficou no lugar, depois: sua coleção de latinhas, sua
cárie dentária, sua incoerência.
Porque quis atirar-se.
Diz que dum viaduto.
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