Origami
Leandro Henrique
Sushi é peixe com olho puxado. Nunca viu olhinho dele "assiím" no meio de
arroz e algas?
Japoneses os meus bisavós. Avós os meus japoneses. E brasileira meus pais
com japonês: acabei mestiço.
Rezei muita fé pra não puxar meu pai e olho de meu pai não puxar o meu. Até arregalava
os olhos. Mas ele persuadia.
Filho, quanto maior o olho, menor a paisagem.
Só maiorzinho fui entender. Primeira vez que fui à cidade grande, Ésse-Pê. Olhei cima
de tudo, prédios todos muito altos, girafastados do chão, com que desespero agarravam o
céu, literalmente arranhavam-no. Aquela predaiada toda sentada no lugar de senhoras
árvores. Olho grande foi quem mandou fazer, gordôlhos... Olho grandemais minimumifica a
paisagem.
Uai, filho! Voltou? Por caus' de quê?
Mas não é volta, ô pai. Novos, os olhos vêem o lugar pela primeira vez.
Com que sorriso reparou nos dois sinais-de-menos em lugar de meus arregalados.
Filho, quanto menor o olho, maior o sorriso, vê?
E o sorriso dele grudou na minha memória. Desde então, forcei mão na enxada para
ajudá-lo. Apertava os olhos com toda a força só para ver o sorriso dele maior!
Mas teve o dia em que sua boca sublinhou a tristeza dos olhos. Abriu com a dele a minha
destra para logo fechá-la com a canhota. Pedaço de papel era passagem de avião.
Amanhã cedo viajamos.
Ninguém perguntou nada, pressentimos.
O Japão em ideogramas era muito mais bonito do que qualquer tradução feita em
português. Aquela casinha onde moravam meus avós, o que significava em palavras? Lá
aprendi que cada palavra é uma casinha onde moram muitos sentidos.
Ao tirar os sapatos, conheci meus pés, muito prazer! nunca mais calcei-os.
Meu avô, ancião, ansiava. Pelo quê? Fez gesto bruto pras mulheres. Quando elas saíram,
dobrou-se todo de dor. Tsuru... Só os homens, tios, meu pai e eu, redor da cama. Olhou
pra mim e resmungou. Meu pai traduziu.
Saquê.
Mulher tem ciúmes da bebida. Avó me viu sair da cozinha com a pinga, resmungou, mas
ninguém traduziu.
Avô deu o primeiro gole com a última boca. Resmungou para meu pai cuja obediência abriu
a janela. Para a alma dele sair? Avôo... Goteira nos olhos da gente. Encheu-se baldes
vida afora.
E-mail: tempo.azul@gmail.com
|