Deixem meu chocolate em paz!
Key Imaguire Jr.
Certa tarde, ao me aproximar do depósito
de gorgonzola para um lanchinho, senti no ar que talvez o sistema de refrigeração do
freezer estivesse precisando de manutenção. Além do mais, havia ao. redor dele muitas
.pegadas de vorazes grilos do queijo, e por alguma estranha coincidência,
faltavam nele pedaços exatamente iguais a uma língua de rato.
Bom, pensei, já estava na hora de mudar de cardápio mesmo.
E.saí pelo labirinto em busca de um steak au poivre. Pelo caminho, encontrei dois
duendes mortos, agarrados ao pescoço um do outro, ao lado de um pedaço de queijo duro
como pedra. Aproveitei a lição e uma lata.de spray que havia por ali e pichei na
parede:
NUNCA ACREDITE QUE A COMPETIÇÃO PODE SER HONESTA!
Continuei a andar, seguindo um cheiro de fritura enjoativo, e fui dar num Mac Donalds.
Dele saíam milhares de ratos todos, evidentemente, filhos de algum casal que se
perdera no labirinto cada qual com um hamburguer numa pata e um copo de Coca-cola
500 ml na outra.
Não é isso, pensei. Ou comida ou nada! E pichei numa parede:
O QUE É BOM PARA TODO MUNDO, NÃO É BOM PARA PESSOAL ALGUMA!
Segui adiante. Cruzei com canibais roendo pedaços de gente; com frugívoras bailarinas;
com comedores de carniça também conhecidos como políticos; com todo tipo de dieta
existente enfim. E então pichei:
A NATUREZA É SÁBIA! SE TODOS COMESSEM QUEIJO O QUE SERIA DAS COITADAS DAS VACAS?!
Não achei meu steak au poivre, mas uns japoneses de quimono me convidaram para um sukiaki
que estava supimpa.
E não pichei mais, porque o spray tinha acabado, porque sou contra pichação e
principalmente, porque não estava mais com fome.
Contei essa história para um grupo de pessoas, e cada uma teve urna reação diferente:
Johnni, um gordo com chapéu de cow-boy, que mascava eternamente o mesmo chicletes com ar
retardado, disse:
Puxa, que bela história, preciso contar pros amigos as belas.lições que ela
contém!
Claro que não tinha entendido coisa algum. Janet uma perua que seguia a moda tão de
perto que, num mesmo jantar, saía várias vezes para trocar de roupa, comentou
Ai, não entendi nada, será que queijo não está mais na moda e não podemos mais
comer fondue, raclete, queijos e vinhos?!
Achei que ela estava mais perto que o americano, mas daí Fernando Henrique, o neoliberal,
lascou:
Não gostei, isso são idéias retrógradas. Para progredir, temos que competir,
globalizar e privatizar, nem que isso seja pior pra todo mundo e no fim tenhamos que
vender a Amazônia.
Tinha, evidentemente, hálito de antropófago. Patrícia, a patricinha metidinha,
suspirou:
Ah, puxa, neste mundo já há tanta violência e vocês ainda ficam inventando
essas histórias difíceis a nível ideológico para depois brigar!
Um barbudo com estrela tatuada na bunda subiu na mesinha de centro e declamou:
Companheiros, a hora é de luta! Conclamo todos os sem-queijo a se unirem sob a
nossa bandeira, levando para a rua, para o entusiasmo das massas, a reivindicação de
todos os cidadãos marginalizados pelo monopólio queijícola...
Meia hora depois, quando deu de acordo de si, a sala estava vazia há muito tempo.
Moral da história: quem acredita em receitas de vida do tipo "Quem mexeu no meu
queijo", "Fernão Capelo Gaivota" e "Como fazer amigos e influenciar
pessoas", tem mais é que se foder mesmo.
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