Rua sem saída
Gabriella Colombo Machado
A grande avenida, que cruzava a cidade, afunilava-se até se tornar uma singela travessa
de paralelepípedos. Quem não conhecesse bem aquele lugar nem diria que aquela abandonada
rua estava integrava de qualquer forma a movimentada avenida principal. Naquela manhã em
particular, a tal travessa parecia ainda mais deslocada do resto de sua estrutura.
Enquanto na parte grande e agitada os primeiros raios de sol já ardiam no asfalto, a
pequena e isolada parte experimentava apenas pequenas fagulhas do sol que preguiçosamente
se levantava no horizonte.
Um antigo casarão na esquina delimitava o ponto em que a até então imponente avenida
transformava-se em ingênua travessa. O exato marco dessa mudança era observável pela
abrupta interrupção do asfalto. A maneira como este terminava fazia parecer que os
operários responsáveis cansaram-se nesse ponto e desistiram de continuar o serviço,
deixando, assim, os últimos paralelepípedos da cidade em desconexão com o presente.
Estagnados no tempo é como eles estavam. E acompanhando essa imutabilidade encontravam-se
as outras poucas construções da rua.
O casarão da esquina destacava-se das outras construções por ser a maior delas. Nos
anos de sua glória, deveria ter sido deveras atraente. Mas agora ele não ostentava mais
nenhum charme. Aliás, estava repugnante com seu ar amargo. As suas portas e janelas
estavam escancaradas mostrando um interior cheio de nada. As paredes que outrora deveriam
ter exibido fotografias de família, hoje se envergonhavam diante dos buracos feitos pelas
dezenas de ratazanas que habitavam o local.
Na calçada, em frente ao casebre, o único poste de luz da rua ainda mantinha-se de pé,
mesmo que já estivesse entortando para direita. Nele estava fixada uma enferrujada placa
amarela com os dizeres: RUA SEM SAÍDA. As grandes letras garrafais eram
pretas e davam um certo ar de autoridade não encontrado em nenhum outro recanto dessa
esquecida parte da cidade.
Chegando ao fim dos irregulares paralelepípedos havia um parque, tão esquecido quanto o
resto. Talvez mais. As árvores que ali descansavam eram altas e rebeldes. Seus galhos
competiam por um espaço que não lhes era dado. Afinal, ninguém mais recordava de sua
existência. Um extenso tapete de folhas secas constituía o piso do parque. O vento
encontrava uma maneira de esgueirar-se por entre as árvores e dançava pelo estreito
espaço que havia entre uma planta e outra. Os seus movimentos rápidos e alegres por fim
faziam com que as folhas no chão se levantassem pesadamente para acompanhá-lo.
Um único som rompia a melodia tecida pela inebriante dança do vento: eram pesadas
passadas que faziam as folhas estalarem sob aqueles misteriosos pés.
O labirinto de árvores que constituía o parque abria-se em um círculo para dar lugar a
uma inútil fonte. Ela era cinzenta e suja. No seu centro, um golfinho desgastado pelo
tempo posava tristemente em uma posição aparentemente desconfortável. De sua boca, não
esguichava mais nenhuma gota dágua. A fonte, contudo, tinha ainda alguma água. O
que se encontrava ali era o acúmulo das chuvas de verão. Boiando nessa água turva
estavam algumas folhas e alguns insetos mortos. No fundo da fonte, escondido pelos
entulhos, estava um chaveiro com duas chaves. O chaveiro era um ursinho marrom qualquer.
As chaves, por sua vez, eram de um metal barato. Uma delas assemelhava-se a uma chave de
carro enquanto a outra deveria ser de uma porta.
Ao lado da fonte, uma pequena bolsa feminina descansava junto ao chão. Parecia ter
caído, uma vez que seu conteúdo espalhava-se ao seu redor. Uma entrada de cinema para a
última sessão de quarta-feira era a única coisa que não havia caído. A bolsa parecia
ser de couro legítimo, mas olhos atentos perceberiam tratar-se de uma bela imitação. O
forro já estava rasgado e era possível notar os efeitos do uso na sua aparência
externa. Uma carteira vazia, também de couro falso, estava a alguns centímetros da
bolsa.
O único banco da praça encontrava-se na frente da fonte. Seu assento era duro. Uma das
pernas estava mais curta, tornando-o bambo. A madeira desgastada pelo sol e pela chuva
estava já áspera e velha. Ao lado desse banco, diversas baganas de cigarros
amontoavam-se, algumas tinham uma discreta marca de batom. Uma garrafa vazia de vinho
tentava equilibrar-se do desnivelado banco.
Mais adiante, aconchegado, no meio das folhas, um celular desligava-se sem bateria.
E-mail: srta_pennylane@hotmail.com
|