Diálogo atual
Fátima Soares Rodrigues
Família classe alta. Início da noite de sexta-feira.
Hora do jantar. Mesa arrumada. Todos reunidos: pai, mãe, filho de 18 e filha de 15. O pai
assenta-se na cabeceira da mesa e v?o filho com o visual diferente.
No nariz, destaca-se o "piercing" prateado, na boca, o parafuso no lábio, e na
orelha, seis furos: três em cada uma, exibindo um verdadeiro "sistema
planetário". O pai olha de soslaio e, em silêncio, se serve do jantar.
Ao final da sobremesa, levanta-se, dirige o olhar a todos da mesa e avisa:
"Segunda-feira quero todos reunidos para o almoço." Deseja ?família uma boa
noite e se recolhe em seu quarto.
O final de semana transcorre normalmente. Os filhos saem ?noite para os compromissos com
os colegas, pai e mãe vão ao cinema; no domingo, ?casa de parentes que, assustados com
o visual do rapaz, questionam os pais da permissão. A mãe, entre sorrisos sem graça,
deixa que o pai se manifeste: "Não liguem, não. Coisas
da juventude", e ?noite todos se encontram para o sono dos justos.
Manh?de segunda-feira, o pai sai para o trabalho, a mãe molha as plantas do
jardim-de-inverno, enquanto a filha se dirige a ela para o beijo de tchau, em
direção ?escola. O filho permanece dormindo, pois a Faculdade começa às 13h.
Hora do almoço. Mesa arrumada. Família reunida: pai, mãe, filho de 18 e filha de 15. O
filho assenta-se no lugar de costume e v?o pai com o visual diferente. Na orelha
direita, pende a enorme argola de prata, fazendo par com os curtos cabelos de prata do
pai, contrastando com o terno azul de linho e a idade nada jovial do velho senhor.
Abobalhado, mas silencioso, permanece o filho e se serve do almoço.
Ao final da sobremesa, levanta-se o pai e dirige o olhar ao filho: "Vou te levar ?
faculdade hoje".O filho, quase que desesperado, suplica: "Não, pai. Não
precisa. De jeito nenhum que vou lhe dar esse trabalho. Deixar que desvie do seu caminho,
nem
pensar...
Faço questão! Enfatiza o pai.
O filho ainda tentar fazer o pai mudar de idéia, quando ?interrompido pelo pai:
Te espero no carro.
Mais que depressa, o filho corre para o banheiro e arranca de qualquer jeito os apetrechos
das orelhas, na tentativa desesperada de que o pai faça o mesmo:
arranque o brinco.
Pega a mochila e chega esperançoso ao carro, chamando a atenção do pai para a ausência
dos seis "brincos".
O pai se mantém calmo e impassível liga o carro para retir?lo da garagem.
Durante o trajeto o filho evita encarar qualquer pessoa da rua, temendo encontrar algum
conhecido.
Antes da entrada no Campus, o jovem diz: "Fal? pai. Pode parar por aqui. J?t?
ótimo. Quebrou um galhão!"
E ensaia deixar o carro.
Calmamente, o pai continua dirigindo.
Vou parar no estacionamento. Faço questão de deix?lo dentro da sala.
Qu?isso, pai! Não precisa mesmo. Voc?vai se atrasar mais ainda .
Não tem problema, estou com tempo hoje.
Descem os dois, e antes que o filho tome a frente, o pai segura-lhe o braço:
Espera a? me conta como est?indo nos estudos... E caminha ao seu lado.
O filho se recusa a olhar para os lados, mas não consegue evitar os olhares perplexos dos
estudantes ao se depararem com a imagem grotesca do seu pai que, indiferente, continua o
trajeto.
J?no corredor, o jovem despede-se afoito e entra como um raio no banheiro.
Calmamente, o pai retoma o caminho de volta.
Na manh?seguinte para o caf? a família reunida: pai despido da bijuteria, mãe, filho
de 18 de cara limpa como veio ao mundo, e filha de 15, dão início a um novo dia.
O recado havia sido dado!
E-mail: faru@bol.com.br
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