
Fábio Reynol (1973), paulista da cidade de Campinas, é jornalista e
escritor. Trabalha como assessor de imprensa, redator para Internet e ghostwriter. Tem
vários trabalhos, nenhum publicado, entre eles o livro-reportagem "A verdadeira
história de Pedrinho Matador" escrito em parceria com a jornalista Patrícia
Capovilla. Publicou, em fins de Novembro/2008, o livro "O vendedor de
palavras — Crônicas de um país de tanga na mão e corda no pescoço". |
O vendedor de palavras
Fábio Reynol
Ouviu dizer que o Brasil sofria de uma grave falta de palavras. Em um programa de TV, viu
uma escritora lamentando que não se liam livros nesta terra, por isso as palavras estavam
em falta na praça. O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande,
"indigência lexical". Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma
idéia fantástica. Pegou dicionário, mesa e cartolina e saiu ao mercado cavar espaço
entre os camelôs.
Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa, o dicionário e
a cartolina na qual se lia: "Histriônico apenas R$ 0,50!".
Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinqüenta curiosos parasse e
perguntasse.
O que o senhor está vendendo?
Palavras, meu senhor. A promoção do dia é histriônico a cinqüenta centavos
como diz a placa.
O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.
O senhor sabe o significado de histriônico?
Não.
Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já têm ou coisas de
que elas não precisem.
Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.
O senhor tem dicionário em casa?
Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.
O senhor estava indo à biblioteca?
Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.
Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a alface, pode
muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinqüenta centavos de real!
Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?
Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de
jogá-la fora e o feijão caruncha.
O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?
O senhor conhece Nélida Piñon?
Não.
É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o País sofre com a
falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui.
E por que o senhor não vende livros?
Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto eu as
vendo no varejo.
E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem
barriga.
A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento. Se temos
poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos
dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar
os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do
meu colega aqui do lado. Olhe aquela senhora com o carrinho de feira dobrando a esquina.
Com aquela carinha de dona-de-casa ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou
minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para
perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá,
vai abri-lo e me roubar a carga. Suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma
palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um
ano de trabalho.
O senhor não acha muita pretensão? Pegar um...
Jactância.
Pegar um livro velho...
Alfarrábio.
O senhor me interrompe!
Profaço.
Está me enrolando, não é?
Tergiversando.
Quanta lenga-lenga...
Ambages.
Ambages?
Pode ser também evasivas.
Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!
Pusilânime.
O senhor é engraçadinho, não?
Finalmente chegamos: histriônico!
Adeus.
Ei! Vai embora sem pagar?
Tome seus cinqüenta centavos.
São três reais e cinqüenta.
Como é?
Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o
senhor. Só histriônico estava na promoção, mas como o senhor se mostrou interessado,
faço todas pelo mesmo preço.
Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?
É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?
Tem troco para cinco?
E-Mail: freynol@gmail.com
Blog: http://diariodatribo.blogspot.com
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