O espanador
Darlan M. Cunha
Distraído, passou o espanador sobre
outra camada de livros na qual estava um livro de nome Sonhos, e
outro de nome O Homem e Seus Símbolos, e outro de nome História
Universal da Infâmia, e ainda outro cujo título é Enterrem Meu
Coração na Curva do Rio, e quase perdeu fôlego quando sopesou o
olhar nos títulos Kama Sutra, História da Feiúra, Um Copo de Cólera
e Viagem a Andara; e então ele parou, maravilhado de que tão belos
nomes estivessem naquela estante ou prateleira, naquela casa na qual
passara tanta tempo, e que nomes tão caudalosamente doces e
escandalosamente prometedores como aqueles ali estivessem a meio
palmo do seu conturbado nariz e de suas fatigadas retinas; que ali
estivessem entre o olor do café e o timbre da cachaça com maracujá
que já estava bebericando, maravilhando-se entre o suor da cana e
gotas de saudade... mas saudade de quê, se não vivera, se não vivia
como se vive nos livros, por exemplo? Assim como o índio de um
certo livro, assim como Uirá, melhor dizendo, diferente de Uirá que
saíra à procura de Deus, largou o espanador e saiu à procura da
vida, e não em busca de tempo perdido, mas de espaço a conquistar.
Esquecendo a janela aberta, por ela o vento penetra, ladrões e
ladras e impostos à parte.
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