O outro lado do amor
Cristina da Paz
Abriu-se toda naquela tarde. Tinha os olhos fixos no céu nublado, a boca pequena semi
cerrada não pronunciou uma única palavra. Ali, naquele lugar secreto, em nosso segredo
mútuo, senti seu sangue verter sobre minhas pernas numa quentura proibida, mas amei, amei
aquela menina como nunca amaria qualquer outra, até que meu prazer carnal fosse mais
forte e que o sentimento de amor e gozo a partisse em duas e a privasse do último
respiro. Camila morreu de amor. Um amor angelical que só pode ser sentido aos seis anos
de idade e cuja experiência anterior nada significa para o homem que possui o fluido puro
da sexualidade que se despertou para a vida e se acabou como todos hão de acabar um dia:
mortos pelo amor maior que o corpo, pelo prazer que não se prende aos limites físicos.
Durante anos esperei que Camila aprendesse o necessário para partilhar do meu amor por
ela. Esperei que pudesse caminhar sozinha sem tropeçar nos obstáculos inexistentes e que
pudesse chamar meu nome com tanta convicção e tanto entusiasmo que me fizesse crer que
ali poderia nascer o amor de dentro da própria menina, sem que eu tivesse de plantá-lo,
mas por si, apenas por regar a terra nasceria o fruto sem árvore, sem flor, só amor puro
e pronto para ser desfrutado num dia sereno.
Aos poucos, sem pressa, éramos íntimos e secretos. Amantes do sorriso, da grama verde,
dos balanços no parque de terra batida. Camila era vida que espera pelo momento em que
deixa de ser para doar-se ao fim. E o momento estava próximo. Sublime dia em que fomos ao
jardim atrás da casa. Nosso cantinho de beijos e abraços e trocas. Nosso canto de rezas
e pecados ainda não consumados em todo seu ardor.
Deitou-se, ciente de que não precisava esperar nada, de que não conviveria com a culpa
nem com o trauma. Não suportaria vê-la crescer infeliz. Seus olhos eram só amor, amor
que não sabe que ama. Seu corpo era a brancura sem cor de um ser totalmente alheio a si.
Camila era minha. Minha carne, meu sangue, meu amor, meu desejo, meu fim.
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