Take the "A" train
Antonio Menezes
"Chuffa, chuffa, chuffa. Choo choo.
Woo woo."
Kurt Vonnegut Jr
"Por que os trens do Metrô não podem apitar como as locomotivas a vapor?"
pensou Júlia enquanto esperava na plataforma. "Seria divertido". Sorriu. De
qualquer modo, quando se tem dezenove anos, e se está no primeiro ano da faculdade,
pode-se perfeitamente pensar tais coisas. Como também esquecer o bilhete magnético nas
páginas de um livro. E então ter que comprar outro, e logo reencontrar o primeiro e
pensar: "Que tonta que eu sou! Agora tenho o bastante. Que bom!"
Na mesma plataforma, mas pelo menos dez minutos adiantado, estava Fábio. Mais velho,
vestia um terno xadrez desalinhado, o jornal tentando escapar da pasta, o guarda-chuva
portátil de prontidão. Fábio gostava de jazz e justamente naquele momento recordava uma
de suas músicas favoritas: "Take The 'A' Train", de Duke Ellington.
Fábio admirava o Metrô: sua racionalidade concreta de aço escovado; seu elegante e
democrático piso de granito polido. Mesmo assim nunca lhe ocorreu associar uma coisa com
a outra. Duke Ellington eram as noites de piano solo de sábado e as manhãs de domingo
com a orquestra a todo volume; o Metrô era o cotidiano, de segunda a sexta, no que havia
de mais imediato e permanente.
Fábio tinha ainda o curioso hábito de evitar as escadas rolantes. Não por medo. Certa
vez perguntaram-lhe: "Por quê?" "Não sei. Não se deve evitar esse tipo
de esforço", respondeu. "E pelo menos nisso obedeço à minha
cardiologista", acrescentou. Daí enfrentava com resignação as longas escadarias.
"Não sou melhor do que ninguém." E até gostava desse exercício de paciência
na contra-mão de toda pós-modernidade e suas decepções.
Finalmente, o trem chegou e ambos (e todos os demais) embarcaram. Júlia desceu na Sé,
enquanto Fábio desceu na Paraíso para seguir até a Consolação. Também poderia ser o
contrário (as vantagens da ficção) e os trens do Metrô poderiam de fato apitar como
queria Júlia e terem a letra A e Duke Ellington como queria Fábio estar com Júlia. Se
ao menos, também ele, pudesse encontrar um bilhete esquecido nas páginas de um livro,
como uma flor.
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