Domingo de chuva
Alexandre Drayton
Domingo, mais um dia como tantos outros, no frio janeiro da Cidade Luz. Dia de lavar a
roupa suja, de tentar arrumar a bagunça (permanente!) da casa, de passar o pano no chão,
de pensar na semana que começa. Um momento de reflexão desleixada, de estudar o
atrasado, dia diferente talvez.
E' pena que a météo não ajudou, empurrando todo mundo algumas horas a mais na
cama. Vento, chuva, frio e tempo cinzento podem vencer a idéia de visitar um museu
gratuitamente, como é o caso do primeiro domingo de cada mês. E sou capaz de apostar que
muitos cederam à tentação da preguiça e, absortos neste clima envolvente, em pouco ou
quase nada pensaram.
E comigo não foi diferente. Até que a físico-química dependência de
checar o e-mail, fez-me vir ao tal computador. Eis-me aqui, donc, sem
sono e com o estoque de sites a visitar esgotado, tentando escrever algo que tenha sentido
ao fim.
Experimento dar uma sacudida e animada no espírito, saindo um pouco para espiar o tempo.
Teve jeito não: as amigas ventania e temperatura baixa me receberam com pompa e
circunstância. Sem outra opção entrei, e teimoso como sou, recomecei a teclar.
Foi difícil não sentir o que se tenta afastar num dia como esse: a tal da cruel saudade.
Palavra impar, que dizem só existir em português, chegou sem pedir licença. Entrou,
puxou a cadeira e, saboreando um café amargo com Malboro ligths, pôs-se a me
incomodar. Esboçando uma resistência esqueço-me dela por longos segundos, ao fim dos
quais recebo um direto de direita, perdendo por knock-out.
Numa ultima tentativa, ensaio comparar àquela do inicio, quando cheguei, essa de hoje.
Queria ver se tinha amadurecido, se era mais forte, se podia vir a ser exemplo para os
amigos recém-desembarcados. Uma vez mais, o gongo deu-lhe ganho de causa. Houvera de fato
apenas uma mudança de nomes, pois a antiga Senhora Saudade hoje se chamava La Madame
Nostalgie.
E assim continuei a senti-la, na certeza de que uma vez mais um mundo de lembranças
viria-me à mente. Pensei na família distante, nos amigos que ha muito não vejo,
em praia, na comidinha gostosa do fundo da panela. Imaginei coisas simples, lugares
comuns, mentiras infantis e os tempos de infância. Em verdade, senti-me só.
Vi, portanto, que solidão e saudade são almas gêmeas. Velhas conhecidas de outrora,
promovem incômodos e aleatórios encontros, onde tentam desafiar o sorriso e a alegria,
banindo-os para longe algumas vezes. E foi justamente num desses rendez-vous
casuais em que vi-me metido. Pensei poder sair de fininho, mas ao final do corredor
encontrei porta fechada.
Não existia outra alternativa, a não ser mascar feito chiclete e digerir sozinho minha
angústia. Injusto seria fazer conjecturas, pois tristeza que se preze não se explica,
sente-se. E caminhando por essa mesma estrada, imaginei os milhares de solitários mundo
afora: habitantes de um mesmo universo, do grande consciente coletivo poeticamente chamado
la solitude.
Mas percebi que esta mesma solidão, inenarrável, dura e difícil, tinha outras facetas.
Não era a maior de todas, pois conseguia guardar traços de beleza dentro de si. A maior
solidão, na verdade, é dos quem não amam e fecham-se no absoluto vazio do nada.
Solitários são aqueles que temem a ajuda mútua e que não partilham com o próximo os
pequenos segundos da vida. Triste e mísero é o homem que evita sentir suas emoções,
permutando solidariedade com egoísmo. A maior solidão é a dos que não acreditam e
fazem de seus sentimentos algo torpe, que reflete o amargo e apaga a luz do bem-viver.
Solidão real é aquela do infeliz que perdeu suas esperanças, vivendo um pesadelo
constante, permeado de pseudo-angústias e cego em relação ao belo mundo ao seu redor.
Eu, do alto dessas tolas idéias, acreditando na vida e num mundo melhor, vi-me um feliz e
pequeno solitário, nada mais. Pois, como bem disse o poetinha:
A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer.
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