Impossível não escrever esta clônica
Mario Prata
Eu juro que eu não pretendia escrever sobre o clone. Todo mundo já escreveu. Até o
João Paulo II (seria clone do João Paulo I?) já colocou suas manguinhas de fora.
De tudo que li, a que mais me chamou a atenção foi a do sempre bom Luis Fernando
Verissimo. Ele levantou (literalmente) no Globo a questão dos nossos ínfimos
espermatozóides. Qual será a utilidade deles no futuro, pô? Clona e pronto, pô! Não
vão mais existir depósitos de esperma, mas, sim, de células. Da mão do Oscar, da
inteligência do Darcy, das pernas da Raia, dos pés do Ronaldinho e assim por diante.
Também não sei por que tanto alarde mundial se, aqui mesmo no Brasil, o Congresso
Nacional aprovou (em dois turnos) a reclonagem do nosso simpático presidente.
Depois de ler, estupefato, em todos os jornais brasileiros que os americanos (eles nunca
ficam atrás) já fizeram dois macacos clonados. Ou seja, segundo a evolução das
espécies do Darwin, estamos quase lá. Se macaco pode, o homo sapiens também, não é
Charles?
E no mesmo dia, aqui mesmo no Estadão, leio (ainda estupefato) que o nosso querido Brasil
poderá produzir alimentos por clonagem. E prova-se por a mais b que isso já está sendo
feito. E os especialistas afirmam que as modificações genéticas tornam plantas mais
resistentes a pragas.
E o homem clonado, também será mais resistente à, digamos, Aids? Fica a pergunta. E
fazer clones de apenas alguns órgãos, vai poder? Por exemplo: tirar a célula de um olho
bom e colocar num cego. Clonar uma perna num paralítico, vai poder? E um novo pênis bem
clonado e ornado, quem é que não vai querer? Você poderá até escolher a cor do doador
em uma célula penicular.
Mas eu fico pensando no clone do Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que vem vencendo
nas pesquisas de clonagens nacionais. Claro que vai nascer um sujeito igual a ele. Mas,
para chegar a presidente, ele terá que ser exilado (para isso vamos ter outra revolução
de clones militares?), morar no Chile e na França? Encontrará uma mulher tão sábia
como a doutora Ruth? Terá os mesmos simpáticos filhos Paulo Henrique, Luciana e Bia?
Encontrará um Lula para disputar uma eleição? São dúvidas que eu não sei responder.
E você, como é que agirá com o seu próprio clone? Vai evitar que ele faça as
besteiras que você fez quando era criança ou adolescente? O clone do Pelé teria que
começar passando fome em Três Corações para virar o Atleta do Século 21? Penso nisto
tudo e não sei as respostas.
Como disse o Mateus Shirts, ovelha sempre pareceu tudo igual, não é surpresa nenhuma a
Hello Dolly se parecer com ela mesma. Igual clone de japonês. Vai sair tudo igual,
sorrindo daquele jeitinho clonado.
Não adianta clonar o Romário. Todos serão baixinhos, andarão daquele jeito e vão
querer viajar nas janelas dos aviões. Vai sair briga de foice. Entre eles.
Já o meu querido amigo Eduardo Suplicy já está numa de clones há muitos anos. O
Suplicy, podem reparar, não é apenas um. E, no mínimo, três. Numa mesma edição de um
jornal, ele aparece em Brasília, São Paulo, Rio e ainda acorda no Pontal. E ainda
escreve cartas e artigos para todos os jornais do Brasil. Eu não tenho dúvidas. O
Suplicy é clonado. Acho que a Marta, minha companheira numa peça de teatro, também não
é apenas uma. No caso dos dois, felizmente, o Brasil agradece.
Fico imaginando o meu clone. Magrinho, dentuço. Não sei ainda como vou chamá-lo. De
filhinho, vem cá? Mas cadê o espermatozóide, pô?, perguntaria o Veríssimo. De irmão?
Mas meu clone (vamos chamá-lo de Pratinha) não é filho da minha mãe. Como seria a
carteira de identidade dele? Nome do pai e da mãe? Teria o meu RG e CIC? Poderia
falsificar a minha assinatura? Teria um Antonio e uma Maria? Estaria escrevendo clônicas
no Estadão?
Meu Deus, meu Deus, diria o clone do Castro Alves, onde estás que não respondes? Em que
mundo, em que estrela tu te escondes, embuçado nos céus?
Pense bem: Jesus teria sido clone de Deus? Afinal, dizem, foi feito à sua imagem e
semelhança. Creio que sim, pois, segundo reza a lenda, ele teria nascido sem o
espermatozóide do pai José, mais preocupado em clonagens de marcenaria.
Onde estamos, senhor Deus, que não respondes?
É melhor se clonar de novo que a humanidade está precisando de outro Redentor. Desta
vez, a gente não deixa a polícia matar ele, não.
Texto extraído do livro "100 crônicas de Mario Prata", Cartaz Editorial - São
Paulo, 1997, pág. 69.
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