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Porcaloca
Carlo Manzoni
"Desculpe, foi o senhor que telefonou para que eu viesse amputar a sua perna?
"Eu? O que é isso? Nem sonhando!"
"Mas o senhor se chama Dante del Torro, não é? Faz meia-hora, um fulano me
telefonou para que viesse alguém que lhe cortasse uma perna."
"Eu não telefonei. Deve ser outro Dante del Torro."
"Não, não... O endereço que me deram foi este. E neste endereço só há um Dante
del Torro, que é o senhor. Um parente seu deve ter telefonado."
"Impossível. Hortênsia, por acaso você telefonou para que viessem cortar a minha
perna?"
"Eu, não. Telefonei para o mercadinho pedindo que mandasse marmelada."
"Aí está, viu? Se o senhor tiver um doce de marmelada..."
"Como posso ter um doce de marmelada? Eu trouxe uma serra, pois quem me telefonou me
pediu que trouxesse a serra, uma vez que na casa não existia uma serra."
"Engana-se. Eu tenho uma serra."
"Mas é evidente que a sua não deve servir para cortar uma perna."
"Como não? É igual a sua."
"Mas se é igual a minha, por que me levaram ao incômodo de trazer outra
serra?"
"Ó Dante, deixa de discussão, homem de Deus. Deixa logo cortar esta maldita perna,
mande-o embora e acabe logo com isso."
"Desculpa, Hortênsia, mas por que haverei eu de mandar cortar a minha perna quando
não fui eu que telefonei? Tenho ou não tenho razão?"
"O senhor tem razão. Mas o que é que eu faço agora? Alguém telefona, eu compro
uma serra nova, gasto meu dinheiro, venho até aqui e acabo perdendo o meu dia a troco de
nada. O senhor também deve me compreender..."
"Bem, com boa vontade sempre se pode encontrar uma maneira de se chegar a um acordo.
Tampouco ele, coitado, tem culpa. Escuta, Dante, você devia de algum modo concordar com
ele. Por que não deixa que ele ampute um dedo seu?"
"Epa! Pára lá!, minha senhora: um dedo não é o suficiente!"
"Antes isso de que nada. Compreenda: é apenas para agradá-lo, porque eu poderia
mandá-lo embora de mãos abanando, mesmo porque não fui eu quem o chamou.
"Bem, nesse caso, dois dedos."
"Ou um ou nada."
"Está bem, como quiser. Mas nesse caso, precisa que seja um polegar."
"Vá lá, vá lá... Que seja o polegar, já que me coloca nesta posição, está
bem? E que seja esta a última vez, ouviu? Da próxima vez me telefone de volta para
confirmar a chamada... Se o senhor não fosse um cara tão simpático... Pode... Ai!...
porc... ahhh....vá aos poucos, isso, aos pouquinhos... Uuuuh!"
Carlo Manzoni (1908), é autor de diversos
livros de humor, entre eles "Brava Gente", "É sempre festa",
traduzidos para o português, e "La Vera Storia (O Quasi) Del Cognac",
"Ti Svito Le Tonsille, Piccola", "Io, Quella La Faccio A Fette!",
"50 Scontri Col Signor Veneranda". Nascido na Itália, esse milanês mistura
como poucos o patético, o grotesco, o non-sense e o absurdo em textos de humor negro.
Conto extraído do livro Os 100 melhores contos de humor da literatura
universal, Ediouro Rio de Janeiro, 2001, pág. 481, organizado por Flávio
Moreira da Costa.
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