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A
Eloqüência e o Brasileiro
Alcântara Machado
A eloqüência marca Sloper que nos desgraça é com certeza resultado da preocupação de
fazer literatura a muque. Entre nós quase toda a gente pensa que literatura é
arrevezamento, ginástica verbal, ilusionismo imaginoso, hipérbole sublime. E devido a
isso mesmo há no Brasil muitos cavalheiros que falam mas poucos que dizem. Falam até
debaixo d'água. Não dizem coisa nenhuma. De tal forma que hoje em dia o conceito de
literatura é até pejorativo.
Não presta para nada esse artigo. É só literatura.
Aí está. A culpa é inteirinha dos que a ela se dedicam, banalizando-a, pondo-a ao
alcance de toda a gente, com o objetivo de embasbacar até um limpador de trilhos da
Light.
* * *
Aliás para ser franco, ninguém se
diverte mais do que eu com as asneiras dengues e sonoras dos oradores de minha terra. Sou
leitor fanático dos apanhados jornalísticos das sessões no nosso Congresso, na nossa
Câmara Municipal, das excursões políticas, das reuniões de agricultores, comerciantes
e homens de letras, de todas as assembléias, de todas as festanças e comemorações
discursadas.
Leitura ainda mais hilariante que a dos livros de Jerome K. Jerome. Nem se compara.
Entre os nossos vereadores e parlamentares, principalmente, há cada campeão em matéria
de retórica edição Quaresma da gente ficar de boca aberta. Até entrar mosca. É
verdade.
Pessoal danado para dizer bobagem com ênfase. Nunca vi. A idéia vem sempre vestida de
cores escandalosas, amarrada com laçarotes de penteado de negra, toda arranjadinha para
dar bem na vista.
Todos os discursos têm um trechinho imutável que eu não me canso de saborear. É quando
o orador alude humildemente à miséria cearense dos seus dotes oratórios.
É assim:
O Sr. Sesostris da Cunha Embora reconheça, Sr. presidente, que minha
desautorizada voz, tão desafeita à tribuna, vem quebrar a harmonia (não apoiados
gerais).
O Sr. Amazonas Neto V.ex. é um belo orador. Todos nós o ouvimos sempre com
imenso prazer (apoiados gerais).
O Sr. Sesostris da Cunha Muito obrigado a v. ex. Como ia dizendo, Sr.
presidente, sem embargo...
Delicioso. E fatal. Mas, sobretudo, delicioso.
* * *
Eu sei que estou sendo irritante.
Paciência. Sei perfeitamente que nesta terra o que eu estou fazendo se chama falar mal.
Paciência. É sempre melhor do que falar bem. Compreendam-me.
João Filipe, que foi ministro de Floriano e hoje é professor jubilado da Politécnica do
Rio, velhinho moço de sarcasmo estupendo, desabafou certa vez comigo:
Eles são bestas e não querem que a gente tome nota.
Eu tomo, sim.
Antônio Castilho de Alcântara Machado de Oliveira (1901-1935) era o nome completo
do autor de "Pathé-Baby", "Brás, Bexiga e Barra Funda",
"Mana Maria" e "Cavaquinho e saxofone". Bacharel em
direito, filho do professor e político Alcântara Machado, preferiu enveredar pela
carreira jornalística e, em 1927, aos 26 anos de idade, era um dos redatores
destacados dos "Diários Associados", em São Paulo. O jornalismo,
entretanto, não o absorveu inteiramente. Consagrou-se também às letras, surgindo como
uma das figuras mais expressivas do movimento modernista. Em 1934, veio para o Rio de
Janeiro, onde passou a dirigir o "Diário da Noite". Estava nesse posto
jornalístico quando, a 14 de abril de 1935, faleceu na Casa de Saúde de São Sebastião,
ao ser operado em conseqüência de uma crise aguda de apendicite. Distinguiu-se pela
vivacidade da linguagem, pela novidade do estilo, pela fiel reprodução dos tipos e
costumes paulistas, bem como pela sátira acerada e certeira com que alvejava os nossos
ridículos. Nos deixou, ainda, a comédia "O Nortista", e o livro de
contos "Laranja da China".(in "Antologia do Humorismo e Sátira",
Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1957, pág. 357).
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